terça-feira, 13 de outubro de 2009

"Foi um Soco Grande!"

Seis horas, quarenta e dois minutos e trinta e poucos segundos. Não dava mais pra aguentar aquele cubículo. Todos no escritório já haviam saído e a cada minuto eu olhava praquele relógio na parede do lado. Seis horas, quarenta e dois minutos e quarenta segundos... O sol alaranjado do fim de tarde entrava pela janela e me lembrava daquelas lampadas japonesas ou chinesas (eu nunca consegui distinguir direito a origem dessas coisas) feitas em papel, ouvia o cooler do computador assobiando feito doido naquele silêncio do oitavo andar, mesclado com o som da enceradeira sendo usada no corredor. Seis horas, quarenta e dois minutos, quarenta e tres minutos... Não chegava o e-mail de última hora que a gerente de vendas me pediu pra aguardar, então me levantei, espreguiçei-me um pouco para acabar com a dormência que dominava a perna esquerda e fui até a Zizi. (Zizi é o apelido que o pessoal carinhosamente concedeu à máquina de café expresso Zimbabwe Coffe, que fica no andar de baixo). Enquanto eu caminhava de volta à minha mesa com um capuccino aguado e amargo na mão me ocorreu o pensamento de que tipo de teste de qualidade poderia vir de um nada famoso cafezal no Zimbabwe, de certo não sei ainda a vantagem de se informar esta origem tão "tradicional". Passei pelo trecho a ser encerado e derrubei algumas gotas do capuccino no piso, coisa que tranformou o semblante cansado da moça da limpeza em uma carranca. Nem ousei pedir desculpas, saí rapidinho dalí tentando evitar que pudesse deixar cair o copo todo... acho que aquela senhora me enforcaria no fio da enceradeira... Antes de me aproximar do pc já percebi que o e-mail estava lá pronto a ser aberto e eu não hesitei, já era tempo. Recusei-me a sentar de novo e já estava até retirando o paletó cinza do encosto da cadeira quando percebi a importância do que estava escrito ali: 'Sr. Ricardo: Os arquivos em anexo devem ser encaminhados para Dona Consuela tão logo alterados os valores de descontos até as 22:00 hs. Caso não realizado no prazo estipulado, a premiação de co-participação estará suspensa até segunda ordem. A Diretoria.' Eu sabia que aquela era a oportunidade da qual havia esperado por meses a fio, de mostrar minhas capacidades e conseguir mais estabilidade. Garantiria ao menos a astronômica conta de telefone. Mas tudo que passava na minha cabeça era como as coisas tomavam proporções gigantescas conforme o tempo avançava. Tempo. A responsabilidade com prazos, os anos que a vida em um escritório conseguiam dar cabo, daquelas férias ano retrasado, das comemorações quando um amigo terminava uma faculdade. Tempo, tudo era sobre tempo. Eu sabia tudo sobre vendas e cálculos mas sabia mais sobre Importância e Tempo. Fechei o outlook e as planilhas, desliguei o computador e vesti o paletó. Esta hora já não havia mais trânsito intenso nas ruas então não temi nenhum atraso embora não me deti em nenhuma outra atividade. Olhei o relogio, sabia que ia dar tempo. Seis horas, cinquenta e um minutos. *** O silencio no saguão do prédio semi vazio parecia ampliar o barulhinho das moedas no meu bolso enquanto andava em direção à rua, e corri a mão para atender meu celular no primeiro toque para evitar que incomodasse alguém ali. Era Lila na linha, estava preocupada por eu não estar ainda no local combinado, mas seu tom era amistoso e me disse que esperaria um pouco mais sem problemas. Segui em direção ao metrô, tinham poucas pessoas nas plataformas, tinha um cãozinho bonitinho dormindo num canto, estava bem frio e a ponta dos dedos dos meus pés estavam congelando. Enquanto estava no vagão, uma das telas informava das mudanças nas linhas e estações, ressaltando sempre o beneficio que traziam a todos. Abriam caminhos, encurtavam distâncias, ampliavam seu tempo. Quase não percebi que já havia chego na minha estação, saí de lá e já dava pra ver a entrada do pub onde Lila me esperava. Esse pub já assistiu mais de uma vez minha embriaguês e eu o tenho como um local sagrado. E ela parecia que sabia, não queria me esperar la dentro... Ela estava parada do lado de fora, com uma longa capa de chuva vermelha, botas à combinar que custavam o olho da cara (eu sei pois foi eu que as comprei no natal de 97) e estava linda. Ela sempre foi meio doidona e espalhafatosa mas parecia até contida e serena. Não preciso nem dizer que abri um sorriso quando a vi, quando ela fez uma piadinha sobre minha pontualidade ou quando ela me abraçou. Tinha uma coisa meio engraçada sabe, estava parecendo mais velha, eu nunca havia reparado que ela adquirira pés de galinha durante esses anos, mesmo assim não perdia o jeito de menina. Abri a porta e esperei ela entrar, dava pra sentir o bafo quente lá de dentro do bar junto com os sons bem conhecidos pelos frequentadores da vida etilica. Tinha um leve cheiro de cigarro de cravo no ar e antes que eu comentasse com Lila sobre isso fui puxado por ela pela mão até os fundos onde lá estavam alguns velhos amigos nossos se debatendo pra chamar nossa atenção. Numa mesa redonda e pequena de madeira estavam canecões de chopp, uma porção já pela metade de batatas fritas e diversos maços de cigarros e celulares dispostos aleatoriamente. A falação e cumprimentos foram mais acolhedores do que eu me lembrava, nem deu tempo de dizer que eu não estava com fome e Ed, um dos meus amigos já estava levando uma batata frita feito aviãozinho na minha boca como brincadeira. Eu não podia sequer reclamar, eles estava acostumados com minhas brincadeiras que confesso, não eram todas tão suaves como uma batatinha de aviãozinho. Não sentei, nem pedi um copo. Eu nem mesmo me centrei em uma conversa, pois haviam 3 ou 4 conversas paralelas se cruzando naquela mesa num misto de show de piadas com assuntos profissionais. Eu olhava ao longe, via as pessoas andando por aquele pub quase lotado procurando um rosto familiar, procurando alguém que estava faltando ali. Ele estava voltando do banheiro, vestindo uma boina italiana, todo sorrisos e já veio logo puxando pra um abraço. tapas nas costas e todas aquelas coisas, você sabe. Passava na cabeça as coisas idiotas e momentos mais sóbrios que eu havia vivido com aquele amigo meu, quando estudávamos juntos ou quando ele vinha com as histórias cabulosas dele... Um jeito marrento, às vezes até meio ingênuo, quando começava... lembro de uma história dessas, quer dizer, lembro mais ou menos. Não sei se era uma piada ou algo que ele ouvira por aí e saíra contando a torto e a direito mas era hilário. Acho que era sobre um personagem cômico ta Tv, o cara arrumava uma confusão como sempre e nesta ocasião teria "armado um soco grande" contra sei lá quem... ah, todo mundo ria, talvez fosse menos engraçado na própria Tv do que ele contando... e o tempo passou tão rápido que nem percebi que logo estavam se despedindo e trocando os tapinhas de novo. Eu sabia, desta vez era diferente, era de fato importante. O Tempo come cada segundo de diversão e prazer que você tem na vida e troca por um punhado de lembranças enevoadas, deixando a sensação de perda e incapacidade de mudar as coisas. Era óbvio, aquele momento era único e diferente, nauqela vez aquele amigo iria pra bem longe, buscar a vida longe dalí. não tive o tempo nem o jeito certo de dizer tudo o que deveria ser dito e talvez até tenha sido dito o suficiente. Qualquer coisa a mais era desnecessária, no aperto de mão ele sabia e eu também, amizade não finda com distância. Ele saiu, os outros sairam, Lila pegou carona com uma das meninas mas eu morava a três quadras dali, estava em casa. Coloquei o paletó sobre o recosto da cadeira, comi uma das batatinhas murchas sobre o prato, e olhei em volta. Não tinha relógio no bar. Estiquei o braço uma vez só em direção ao garçom gordinho que logo me trouxe um copo e uma garrafa de cerveja. Estava no ponto certo, já não era sem tempo. ---------------------------------------------------------------------------------------------- Esta é uma obra feita em homenagem a um amigo que foi morar longe, mas também sobre como o tempo me incomoda. Às vezes, tudo o que precisamos é esquecer do tempo passando e aproveitar as coisas pequenas... ah, acho que vocês entenderam rs...

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